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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

2 comentários:

  1. Nelson,

    Gostei!!! Quando leio sobre este tema não consigo deixar de pensar em outro poema dele:

    Metade

    Que a força do medo que eu tenho,
    não me impeça de ver o que anseio.

    Que a morte de tudo o que acredito
    não me tape os ouvidos e a boca.

    Porque metade de mim é o que eu grito,
    mas a outra metade é silêncio

    Que a música que eu ouço ao longe,
    seja linda, ainda que triste

    Que a mulher que eu amo
    seja para sempre amada
    mesmo que distante.

    Porque metade de mim é partida,
    mas a outra metade é saudade.

    Que as palavras que eu falo
    não sejam ouvidas como prece
    e nem repetidas com fervor,
    apenas respeitadas,
    como a única coisa que resta
    a um homem inundado de sentimentos.

    Porque metade de mim é o que ouço,
    mas a outra metade é o que calo.

    Que essa minha vontade de ir embora
    se transforme na calma e na paz
    que eu mereço.

    E que essa tensão
    que me corrói por dentro
    seja um dia recompensada.

    Porque metade de mim é o que eu penso,
    mas a outra metade é um vulcão.

    Que o medo da solidão se afaste
    e que o convívio comigo mesmo
    se torne ao menos suportável.

    Que o espelho reflita em meu rosto,
    um doce sorriso,
    que me lembro ter dado na infância.

    Porque metade de mim
    é a lembrança do que fui,
    a outra metade eu não sei.

    Que não seja preciso
    mais do que uma simples alegria
    para me fazer aquietar o espírito.

    E que o teu silêncio
    me fale cada vez mais.

    Porque metade de mim
    é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

    Que a arte nos aponte uma resposta,
    mesmo que ela não saiba.

    E que ninguém a tente complicar
    porque é preciso simplicidade
    para fazê-la florescer.

    Porque metade de mim é platéia
    e a outra metade é canção.

    E que a minha loucura seja perdoada.

    Porque metade de mim é amor,
    e a outra metade…
    também

    Ferreira Gullar

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  2. Esse poema é lindo Eliana, valeu. O tema é a minha eterna ponte entre eu e os outros....rsrsrs
    bjs
    Pablo

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